Fabio Novembre, o arquiteto metafísico
Com seu inconfundível estilo pop, o arquiteto italiano Fabio Novembre é um dos profissionais mais prestigiados do design internacional.
Nem mesmo os contratempos climáticos, atípicos do verão europeu, e a agenda movimentada impediram o arquiteto Fabio Novembre de abrir as portas de sua casa-estúdio em Milão, para FLO Magazine. Disponível, simpático e eloquente, Novembre coloca-se amigável e inteiro em nosso bate-papo. Certamente, com tantas histórias interessantes e facetas distintas, sua biografia mereceria aqui um vídeo maior, a começar por suas origens que influenciaram fortemente em suas escolhas. Nascido em Lecce, na Apúlia, ele cresceu envolvido pelo hiperdecorativismo religioso da cidade mais representativa do barroco pobre da Itália. Boa parte da infância, frequentou como coroinha a sacristia e o altar da igreja de sua paróquia. A cultura religiosa interferiu até nas preferências de Novembre. Ele confessa que se inclinava mais a colecionar imagens de santos que figurinhas de jogadores de futebol. “É extremamente imagético. Pensa na figura de São Jorge com o dragão, Santa Lúcia com os olhos na bandeja...”, ilustra. Eis porque seus trabalhos são repletos de simbologias, narrativas e considerados metafísicos. São o espelho do rapaz, filho do Mario, da Erminia e sobrinho do Tonino e do Ciccio, que saiu em 1984 do Sul da Itália para estudar arquitetura no Politécnico de Milão, carregou com si a bagagem ancestral e se descobriu como cidadão do mundo. Fabio Novembre relembra os passos do rapaz, que se transferiu para a metrópole e se aflorou como um profissional híbrido. O salto maior para o mundo foi dado em 1992, quando foi estudar direção cinematográfica em Nova York. Ali, literalmente, reinventou-se e construiu sua linguagem, muito diferente das de seus colegas, pois Novembre sempre foi o cara das ideias. Nem desenhar sabia, como poderia se sair um arquiteto convencional? “Eu consegui misturar os dois sistemas: a projetação em arquitetura que é extremamente calibrada e racional com a do cinema, que é cheia de imagens e de pontos de vista, pescando em cada tipo de imaginário”, alega. E foi graças a sua narrativa distinta e particular que recebeu a primeira encomenda. Em 1994, Anna Molinari contratou o arquiteto para idealizar os interiores da Blumarine, em Londres, levando-o de volta para a Europa. Então, lançou-se no fantástico mundo criativo e não saiu mais. Ao contrário, só expandiu. Em 30 anos de carreira, Novembre desenhou um percurso variado, projetando arquitetura, design e interiores. Seu currículo inclui, hoteis, showrooms e discotecas, entre outros, clientes importantes como MediaMarkt, Stuart Weitzman, A.C Milan e Lamborghini, e os mais variados produtos desenvolvidos para empresas como Driade, Kartell, Natuzzi e Lea Ceramiche, além de instalações e estandes feirísticos e direção cenográfica dos shows dos cantores Blanco e Laura Pausini. De personalidade marcante, Novembre não esconde suas opiniões. É transparente e se precisar não evita críticas. O modo como as edificações vêm sendo projetadas é um dos pontos que não esconde a sua visão. Para ele, nos últimos tempos a arquitetura tem sido pensada mais como escultura que propriamente como espaços para o ser humano viver. “Se nós nascemos em um espaço interno, então a nossa percepção de externo vem muito depois”, justifica seu olhar sobre o projetar. Já a respeito de habitações, o arquiteto é convicto de que cada um deveria planejar a sua própria casa e escolhe não projetá-las. “Não há nada mais semelhante a você que a sua casa”, justifica. Mas, nem sempre as pessoas têm tempo e delegam a missão para um profissional. Assim, ele convida os colegas a pensarem na relação cliente arquitetura: “Faça o retrato da pessoa que irá morar na casa, tire o máximo dela. Essa será uma boa arquitetura. Do contrário, criará espaços da moda que você diz que é a casa dela, mas não se parecerá com ela”. Como pode-se constatar no currículo de Novembre o seu trabalho foi sempre voltado a projetos de lugares onde todos podem entrar, “porque nas casas das pessoas entram apenas os amigos”. Para ele, essa é uma arquitetura mais democrática. “É muito divertido fazer um hotel onde dormem milhares de pessoas e é realmente aberto a todos”, exemplifica. “Isso é arquitetura, um grande palco cênico. As pessoas deveriam sempre se colocar em discussão”, convida. Novembre também se aventura no mundo da música, tanto fazendo cenários para artistas como Blanco e Laura Pausini, como dedilhando sua guitarra. Assim como lança-se na escrita com alguns títulos, como “Design spiegato a mia madre”. “Quando fui para a universidade minha mãe obviamente sofreu muito. Quando eu voltava para casa, eu tentava contar para ela qualquer coisa, mas ela me olhava carinhosamente e me perguntava: Fabio, o que você quer que eu te prepare para comer? Foi uma espécie de ápice teórico: se eu conseguisse explicar à minha mãe o que é o design, conseguiria explicar para todos”, alega. Se a casa é o melhor lugar para conhecer uma pessoa, FLO Magazine teve a oportunidade de adentrar na intimidade do arquiteto Fabio Novembre, pois realizou a entrevista em sua casa-estúdio. Vale lembrar que essa foi a única residência que ele projetou, e nela imprimiu todos os seus sonhos, ideias e ideais. Ele revela que só ao formar uma família sentiu a necessidade de ter uma casa: “Eu sou uma espécie de homeless. E minha casa é uma espécie de sonho.” Tudo é simbólico em sua morada. Cada escolha espelha a personalidade de Novembre e demonstra sua teoria sobre o espaço de morar. E, se formos um pouco além, o estúdio conjugado à casa também é o retrato de Fabio Novembre, arquiteto e designer que, mesmo não tendo o desenho como forte, fez da criatividade e da perspicácia suas grandes aliadas, traçando uma carreira sólida entre as empresas e as entidades ligadas ao design. Desde 2019, é diretor artístico da Driade e membro do comitê científico do Museu do Design da Triennale di Milano. Gravação e edição do vídeo: Rafa Jacinto. Imagens adicionais: arquivo Fabio Novembre, Denis Lo e Andrea Martiradonna.