Música _ 03 novembro _ por Mauro Ferreira

Zé Renato: “a música me ajuda a me comunicar com o mundo”

Artista celebra os 40 anos da dupla com Claudio Nucci, grava álbum com o grupo Boca Livre e festeja a assinatura conquistada na obra como cantor, compositor e violonista.

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Soa curioso e estranho ouvir Zé Renato dizer que nunca teve como objetivo principal ser cantor no início da vida artística. “Não dava muita bola para o canto. Ele era um canal para eu mostrar as músicas”, lembra o artista, de origem capixaba e alma carioca, em entrevista exclusiva a Flo, durante passagem pelo Brasil. A curiosidade da fala vem do fato de ter sido pela voz que José Renato Botelho Moschkovich se tornou um dos grandes nomes da música brasileira desde que ganhou projeção nacional em 1979 com um dos integrantes do Boca Livre, quarteto vocal carioca que também trazia na formação original o cantor Claudio Nucci, amigo de escola e “rival” na época dos festivais estudantis do Colégio Rio de Janeiro. As músicas “Toada” e “Quem tem a viola” foram parar em trilhas de novelas da TV Globo e conquistaram o Brasil com sofisticadas harmonizações vocais. Hoje, já perto dos 70 anos, a serem festejados em 1º de abril de 2026, Zé Renato saboreia a maturidade na travessia intercontinental que o faz transitar com frequência e naturalidade entre Brasil e Portugal, país onde foi morar em março de 2024 para acompanhar a mulher, Beatriz, convidada a assumir importante posto profissional em Lisboa, cidade onde Zé vive com a esposa e o filho de 12 anos. Na Terrinha, Zé já fez show em Lisboa, dividindo o palco com nomes locais como o cantor português António Zambujo, e tem sido tratado com respeito e admiração por ser um cantor, compositor e músico do Brasil. “A música brasileira se espalhou pelo mundo e influenciou as pessoas”, justifica. Quando vem ao Brasil, a agenda profissional inclui sobretudo shows com o Boca Livre, cujo último álbum, Rasgamundo (2024), injetou ânimo na carreira do quarteto. Cantor aclamado pela excelência da afinação e da emissão vocal, Zé Renato tem admiradores ilustres como o produtor Hermínio Bello de Carvalho. No delírio poético de Hermínio, Zé tem “voz de água”. E foi seguindo a correnteza que Zé Renato tem feito história na MPB, se alternando entre o Boca Livre – grupo que prepara álbum com o cancioneiro de compositor ainda mantido em sigilo – e a carreira solo iniciada em 1982 com a edição do álbum A fonte da vida. De lá para cá, a discografia solo do artista já ganhou outros 15 títulos, sem falar na dupla com Claudio Nucci, eternizada no álbum Pelo sim pelo não (1985), cujos 40 anos são celebrados em 2025 com concorrido show dos cantores e com single com gravação de música de Milton Nascimento e Marcio Borges, “Bandeira do porvir”, até então inédita em disco. “Começamos juntos, as nossas referências são semelhantes e a nossa forma de cantar combina muito”, justifica, elencando as afinidades musicai com o amigo. Zé Renato nunca pensou racionalmente em ser músico, mas, quando a música chegou até a ele, já na adolescência, a ligação foi definitiva e irreversível. “Minha relação com a música é intuitiva. É um reflexo de tudo que vivi. Comecei a fazer música porque ganhei um violão e porque comecei a tocá-lo”, recorda Zé Renato. O mais incrível da história é que o violão que Zé ganhou aos 11 anos foi dado por ninguém menos do que Sylvio Caldas (1908 – 1988), um dos cantores mais importantes da música brasileira na era pré-bossa nova. Amigo do pai de Zé, o jornalista Simão de Montalverne (já falecido), Caldas frequentava as serestas promovidas na casa de Simão. Foi na memória afetiva desses saraus que Zé Renato buscou inspiração para compor um dos álbuns mais aclamados dos quase 50 anos de carreira, Arranha-céu, lançado em 1994 com intepretações de músicas do repertório de Sylvio Caldas. O disco foi eleito um dos melhores daquele ano de 1994, consolidando uma trajetória individual pavimentada com coerência e que, anos mais tarde, precisamente em 2019, rendeu outro elogiado disco embebido na atmosfera daqueles saraus familiares, O amor é um segredo, calcado na obra de Paulinho da Viola. “A minha trajetória tem uma assinatura. Existe uma sonoridade na voz, nas coisas que eu crio como compositor e na forma como eu toco violão”, avalia o artista, ciente do privilégio de ser músico e viver de música no Brasil. Como compositor, Zé Renato também tem se expandido além das parcerias com Juca Filho, com quem integrou o grupo vocal Cantares (nos primórdios, entre 1977 e 1978) e com quem assinou músicas da safra inicial do Boca Livre. Recentemente, Zé abriu parceria com Nando Reis, “Rio Grande”, inspirada música que marcou a volta do Boca Livre em outubro de 2023 após breve dissolução do grupo por divergências políticas com um dos integrantes. Antes, Zé fez música com nomes tão díspares como Arnaldo Antunes, Paulinho Moska, Nei Lopes e Elton Medeiros (1930 – 2019). “Eu lido com a música de forma livre. Sigo muito a minha intuição. Sou uma pessoa mais reservada e tímida, mas a música me ajuda a me comunicar com o mundo. A música é um retrato da minha vivência”, avalia Zé Renato, antenado com vozes novas que vem ganhando espaço no Brasil, como Zé Ibarra e Vanessa Moreno, elogiados por esse grande cantor que nunca teve como objetivo ser cantor quando pôs os pés na profissão.